terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Canção para o Ano Novo

Que seja doce, como disse Caio. Que seja doce a cada manhã que antecede um dia cheio de coisas novas que podem acontecer a ti. Porque eis o belo da vida: não sabemos o que pode acontecer.
Que cada mágoa não seja mais que uma nova lição de que não se deve - e não se pode - deixar nas costas de ninguém a responsabilidade de te fazer feliz. Que isso só dependa de você. Que você faça muitas coisas: compras, passeios, conversas, cigarros - por que não? - que preencham o seu dia. E que o pouco tempo que lhe seja disponível pra pensar, que você pense coisas boas, e que pense o menos possível no passado. Porque, afinal, ninguém vive disso.
Que cada "remember" seja um novo capítulo, e nunca uma mesmice, uma repetição - pra que tudo tenha a graça que deve ter. E que seja doce! Que lembrar do passado não seja exatamente isso. Que seja viver o presente, e, talvez - quem sabe? - pensar no futuro. Ou que não seja nada disso, mas que seja alguma coisa, além de doce...
Que você cubra seus ódios de amor. Que você dê uma chance ás pessoas. Que você dance. Que você ria de verdade dos seus erros, e procure não mais os cometer. Que você chore com um sorriso grande estampado no rosto. Que você saiba que grandes amores podem se tornar grandes dores, e que não se surpreenda com isso. Que quando essas dores apertarem, você telefone, escreva, desenhe, ouça uma música, tome um banho frio. Ou espere, que uma hora ela vai embora.
Que o medo de não conseguir, não te impeça de tentar. Que o fracasso não seja o motivo da desistência. Mas que você desista, para se poupar, quando preciso for. E que você se guarde para momentos especiais. Não se desperdice (o que não significa que deve se poupar). Não se poupe de nada. Enfrente a tudo com a cara limpa. Levante a cabeça e siga. Sempre.
E que você abra os braços para 2009. Porque ele vem vindo novinho, e você não sabe o que pode acontecer na próxima manhã...
Mas que seja doce!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mal Necessário

Ele gostou. Foi bom sentir de novo o que há tempos lhe era ausente. Um arrepio, um frio na barriga. A espera - incerta - que terminou antes do que se esperava de repente sem que se tivesse tempo de pensar apenas disse "Sim, venha". E estavam ali. Completos.
O gosto de cigarro, o cheiro, o toque, a saliva... Tudo. Era tudo que precisavam. E Legião Urbana.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Para o amor encontrado

Para ler ao som de "Vento no Litoral"
Ele queria um beijo. Mas só se fosse daqueles lábios, os carnudos com que sonhara por tantas noites longas e em claro. Queria enxergar o mundo, mas através das portas castanhas daquela alma sofrida e bonita. Queria só ouvir aquela voz - música para seus ouvidos - suave como a chuva calma da noite fria, aquela voz de pele de pêssego.
Encontrou bocas e olhos e vozes e se perdeu. E não quis ver ouvir sentir mais nada. Deu as mãos para a saudade do que nunca teve e saiu em sua companhia rindo e dançando na chuva. Estava feliz por não estar só, mas faltava algo: aquela boca, a voz de pêssego, os olhos castanhos. Despediu-se da saudade e caminhou sobre as poças de água e lágrimas que havia por aí.
Parou. Olhou, porocurou a agulha no palheiro e achou, lá longe, aquela voz, aqueles olhos, aquela boca - lá longe bem longe onde a vista não alcança. E de novo encheu-se de felicidade. Correu sem sair do lugar, gritou e só o eco respondeu. Mas estava ainda feliz. Achou o que já cansara de procurar. Estava lá depois do horizonte, mas estava lá.
Então abriu seus braços para o mar. Deixou sua roupa umedecer, a água fria entrando por todos os espaços. Era o amor possuindo até o fundo mais fundo daquela alma que achou a gêmea. Ansiou pelo encontro como a criança que espera pelo doce. Nadou até não sentir mais nada - nem braços nem pernas nem o oxigênio transitando pelos pulmões. Mas nem precisava sentir: era como o vento invisível mas devastador.
E nadou nadou nadou até o mais perto do horizonte que conseguiu. E cansou várias vezes no caminho, mas não desistiu. Não podia desistir agora, no meio daquela água toda. Mas não por medo de ser engolido ao fundo do mar. Não podia parar porque encontrara-se de novo com aquela metade de longe que queria perto, para sentir lábios e vozes e olhos e tudo.
E quando deu por si, lá estava, ainda na água, ainda tomato pelo amor. Eu vou conseguir, eu vou abraçá-lo e beijá-lo e convidá-lo pro jantar e pro sofá debaixo das cobertas com pipoca e Almodóvar e Tarantino e Coca-cola.
E uma euforia - a mesma de quem ama na adolescência, a mesma do primerio beijo e do primeiro porre - assaltou-lhe de repente. Era real. Era distante, mas era real. - Tocou-lhe a face, encarou-o nos olhos lindos e castanhos e contemplou sua alma tão doce que podia sentir-lhe o gosto. E - como nunca antes - completou-se.
E felicidade foi pouco para descrever o momento.
E a partir dali, nada do que viesse a acontecer seria melhor ou passível de comparação.
Então rendeu-se às águas mansas do enorme e imponente mar - amor. Sem piscar, sem respirar, sem nenhum som emitir, sua mão deslizou pela pele intocável da metade encontrada, silenciosa e lentamente como o cair da noite.
Foi ao encontro dos cavalos-marinhos. E estava feliz.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Título óbvio

"Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança"
Tô com saudade. Essa palavra sexta ou sétima mais difícil de se expressar em outras línguas, mas que no mundo todo desprevine pessoas que perdem noites de sono e dias de vida pensando e repensando e se moendo e se doendo angustiadas com a falta da presença daquilo ou daquele ou daquela ou de todos ou de alguém. Tô com saudade do riso, do som da voz, da cor do dente, do fundo dos olhos, do brilho da lágrima, da unidade do abraço, da intensidade do momento. Tô com saudade do beijo, da língua, da saliva úmida e quente e convidativa, das mãos pornográficas escancarando a indecência daqueles inocentes desejos carnais. Saudade de não sei o quê. Do toque, da união das peles, do calor dos corpos, do copo de vinho e do maço de cigarros sob a luz da lua crescente-cheia ao som de Raimundos. Das palavas no ouvido sussurradas, do silêncio que dizia tudo. Saudade de você.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Grito

Tem um grito aqui dentro. Seco, ensurdecedor. Um grito sufocado, preso e incômodo, que me tira o sono, que me faz perder a fome e a sede. Que me faz silenciar. Que me faz calar e engolir esse desespero que insiste em querer sair. Mas tenho medo de causar espanto. Guardo esse som estridente como guarda-se o mais absoluto dos segredos. Escondo a dor. Disfarço as feridas. Porque o mundo acostumou-se com aparências. Porque somos podres mas preferimos achar tudo lindo e perfeito, quando todos sabem que basta um sopro leve e tudo desaba. Mas não vou gritar. A aparência é o que restou, e sem ela, isso vira um pandemônio. É necessário que a hipocrisia grite para sufocar os desesperos e sustentar a ordem. Ainda que esta seja a maior das loucuras.

domingo, 20 de julho de 2008

Em tributo a "V de Vingança"

"Oferece a outra face, mas não esquece o que lhe fazem
Nos bares, na lama, nos lares, na cama"
Vingança. O prato que se come frio. O pecado que exige a virtude da paciência. Dizem que vingar-se não adianta, não é bom, que não e não e não. Mas das duas, uma: ou planeja-se uma vingança (e não há nada melhor do que maquinar situações que se aproximem daquilo que se sentiu na pele); ou então o destino - palavra estranha em seu significado abstrato e incerto - encarrega-se de tudo. O que prefiro? Que ela seja feita, por qualquer dos meios, mas que seja feita. Como justiça, por que não? Afinal, a lei do "olho por olho, dente por dente" é antiga, mas é válida. E se a violência pode ser usada para o bem - como em "V de Vingança" -, vingar-se pode ser algo frio demais, desgastante demais, mas e tudo que já se sofreu graças a atitudes alheias? Não conta? Abstrai-se? O que fazer com toda a raiva contida em detrimento de sermos pessoas benevolentes e caridosas? Joga-se fora? Não. Há que se canalizar todo o remorso para algo que valha a pena. Talvez não "valer a pena" no sentido de "ah tá, se eu fizer isso com você como você fez comigo, será anulada toda a dor e sofrimento pelo qual você me fez passar", mas no sentido de retribuir a ação que se sofreu. Não é tudo assim mesmo? "A toda ação corresponde uma reação, de igual força, direção, e sentido oposto". Então é natural. É necessária a vingança, para que haja o equilíbrio - ainda que isso revele que não somos tão bons e que o mundo não é tão belo assim. Afinal, se te fazem cócegas, você não ri? Se te deixam triste, você não chora? Se provocam a sua ira, você não vai se vingar?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Sala do Espelho II

Leia Sala do Espelho I

Naquela sala ele podia ser mais. Podia ser o que lá fora não era permitido. Podia sentir o que não podia sentir se não estivesse ali, sob aquela luz, influenciado por aqueles sons, concentrado naqueles movimentos, de frente para aquele espelho acusador e autêntico que não mostrava nada além do que se era em essência. Naquela sala era proibido proibir. Os pés descalços em sintonia com o chão, com a terra, com a Terra. Desequilíbrio para equilibrar. Dor para não permanecer quadrado, profundidade para não morrer afogado nos dogmas de fora daquela sala. Eram dois mundos. O dos reis e o dos bobos da corte, que de bobos nada tinham, e faziam por passatempo rir dos seus reis, dos donos da verdade, dos grandes senhores. Os senhores da arrogância, do "é tudo bando de bixa colorida fazendo isso". Desfilar armas e tanques de guerra é muito mais digno. Lógico. De arte ninguém precisa - os reis pensam. Do que precisam é a ostentação de sua autoridade fracassada e inútil, obrigada através de imposições ordenadas por aqueles que pensam não termos saído do regime ditatorial e que acham aque, se enfiando em um uniforme verde representam o Brasil, sua força, sua raça, sua beleza. Que fiquem pensando. Os bobos da corte riem na sala do espelho.

sábado, 5 de julho de 2008

Molhe-se

E de repente veio a pergunta: quantos dias sem tomar água? Quanto tempo sem perceber o líquido correndo por seus dentes, umidecendo seus lábios, correndo solta e descendo pelo caminho de sempre? E então percebeu que aprendia com a água, sempre avante pelo caminho incerto, mas sempre avante. E aprendeu com a água, que jamais se detem ante os obstáculos. Apenas os contorna tão docemente.
E há quanto tempo não fazia isso? A quanto tempo parara no tempo, observando sem compreender aqueles obstáculos todos e morrendo de medo de prosseguir? Não. Precisava ir em frente, contornar os desafios todos pelo caminho também incerto que havia diante de si.
Para onde iria era uma incógnita, mas a partir daquele gole, se dispusera a saber. Porque a água está por todos os lados, e onde a vista alcança, lá está ela: salgada, doce, petrificada, mas está. Cerca tudo que alcança, cerca tudo. E não se desfaz sem ter um porquê. Não vira vapor à toa. Evapora para subir e cair docemente por ali, ou furiosamente para arrastar uma casa do seu lugar. Mas não se abstem, jamais.
Então decidira-se por fazer como água calma que corre pelas cachoeiras, banhando as pedras frias e escorregadias. A água não tem medo de cair. E então também não teria. Ela está em todos os cantos, encantos, escondida, ou sob o sol, enfiada na terra fazendo brotar vida. Então decidira-se por também fazer brotar vida nas adversidades, úmidas ou não. Estaria onde estivesse, e contaminaria o que tocasse com a sua leveza molhada. Sem insistir, como a água discreta que quando vê, já molhou.
E seria belo viver como água, seria bonito e de bom gosto espalhar-se por aí, entre ruas, descendo escadas, encachoeirando-se por debaixo dos pés que corriam ou pulavam para esquivar-se (há que se lembrar que era desnecessário e inútil evitá-la, porque no momento do banho, de estar limpo, ela estaria lá, não?).
Então molhe-se, deixe-se levar pelas gotas frias do orvalho da manhã, ou pela chuva fina que cai para deixar as tardes elegantes, ou pela chuva pesada que nos acalanta para adormecermos ao cheirinho de terra molhada que ela traz consigo. Deixe-se invadir pelo líquido que nada cheira e nada deixa ver de si, mas que está sempre lá, como a luz do sol, que amanhece belo e luminoso para esquentar o chão imóvel, mas cheio do que ela tem de melhor: nunca parar e, docemente, seguir sempre em frente.

terça-feira, 1 de julho de 2008

[Pensando em um título]

Ela queria só uma presença. Qualquer que fosse. De uma música, de um animal, de um homem, uma mulher, um ET. Queria saber que não estava sozinha, mas sentia-se só e por mais que tentasse ver nessa solidão algo de positivo, não conseguia. Não enxergava o lado bom em sentir-se só. Talvez porque não houvesse o outro lado. Talvez porque fora incapaz de conseguir manter alguém por perto. Mas não pensava que pudesse ter errado nas atitudes que tomou para com os que se aproximavam. Fizera tudo certo, visitava os amigos doentes, sorria para quem vinha, oferecia café - ou prefere água? gelada? - às visitas, que não eram tantas, mas davam-lhe prazer. Agora, nada havia, senão um café frio na xícara, um maço de cigarros ao lado das pernas cruzadas no chão, um isqueiro vermelho-paixão do outro lado, e a fumaça cinza como aquela manhã, subindo errante pelos tijolos marrons amarelados pelo tempo e perdendo-se por onde sua vista cansada não se atrevia a tentar chegar. Pensava que era uma fase, e que, como toda fase, passaria. E esperava, porque é isso que resta a quem já não sabe mais o que fazer: esperança. Esperou por dias a fio a tarde quente em que ouviria o barulho da campainha e sairia correndo para atender o visitante sedento de companhia, assim como ela. Esperou, até que ele não aparecesse. E cansou-se de esperar - porque a esperança é a última que morre, mas morre. E decidiu então que viveria consigo mesmo. Que chega de esperar o príncipe encantado até porque ele não existe e também porque os casais hoje em dia são todos infelizes então eu não vou me casar e não vou dividir minha vida com ninguém e serei feliz a meu modo sem ter que dar satisfações a ninguém e quem é que precisa dessas coisas né? Deitou-se, a cama macia que fora testemunha de tantas lágrimas e cabelos desbotados despenteados arrancados em momentos de fúria inexplicável. Adormeceu tranqüila e não ouviu o barulho tímido do toque de mãos fortes e macias na porta da frente. Ele chegara. A razão de seu viver. Aquele por quem esperara durante incontáveis manhãs de céu claro, infinitas tardes de tédio mórbido e noites que se estendiam longamente no canto das corujas. Ele estava ali, perto, convidando-a a convidá-lo a entrar. Mas ela não ouviu. Não ouviu porque não podia. Porque por mais que levantar-se fosse seu grande e único desejo, jamais o faria novamente. Não pôde sequer abrir os olhos para tentar ouvir melhor. Pálpebras pesadas ocultavam o azul de seus olhos há tempos cansados de se salgarem. Não moveria mais um músculo sequer. Ele chegara tarde demais.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sala do Espelho I

Ele olhou para si, e viu-se ali, no escuro, prestes a entrar. Aquela roupa, inadequada até minutos atrás, fria, incômoda, agora não era mais do que a sua pele original, impossível dissociar-se uma da outra. Os olhares atentos, ele percebia, captando cada movimento, cada gesto calculado e ensaiado até a exaustão. Naquele dia, acordara muito cedo, contrariando seus costumes boêmios de fazer da cama companhia até o sol, já bem alto no céu, esquentar bastante o quarto e expulsá-lo de lá. Mas levantara-se. Sabia de sua importância no que ocorreria naquela sala nas próximas horas. O frio cortava seu rosto quando virou-se para enfrentar o despertar frio daquela manhã de fim de outono. Cores, muitas, vozes, muitas, nervosismo calado e subentendido por cada partícula daquela ante-sala. Fumaça de cigarro em pontos localizados sinalizavam a ansiedade transbordante que buscava escape. Toca o sino. Ouvem-se vozes na grande sala. Ele pensa nela, e gostaria de sua presença. Sabe que não vem, e não a culpa. Apenas sente muito, porque não há tempo para pensar em nada mais que isso. Sente muito. Sente os dentes mordendo os lábios e sangrando-lhes. Controla-se, afinal, não é o fim do mundo e apesar da grandiosidade daquele ato, é algo até bastante simples. Sonhara com aquele dia, que chegou antes demais. Mas no tempo certo para mostrar que era possível. E mais uma vez a desejou ali, desejou que pudesse vê-lo, apreciá-lo, desejou que pudesse saber que funcionava, que dava certo, que era sério mesmo. Desejou que ela soubesse que ele não estava brincando. Mas ela não soube. Ele entrou, luzes por todos os lados, música, só para que ele entrasse. Caminhou firme e lentamente por sobre aquelas tábuas, abaixo daquelas luzes, voltadas todas para ele, para aquele momento, e sentiu-se importante. E após os aplausos, uma lágrima correu na maquiagem branca, os olhos brilhantes e cheios de orgulho de si mesmo. Ele conseguiu, ele provou do gosto de ser aplaudido pelo trabalho bem realizado. E gostou. E voltou-se para o lado de lá de seu trabalho. Sim, trabalho. Sem dinheiro, mas que lhe proporcionava grandes riquezas impalpáveis, insensíveis. E por isso ela achava que ele não conseguiria, que ele brincava, que ele desistiria, que era hobbie. Mas não. Era sério. É sério. Mas ela não quer saber. Ela não o vê, ela não o ouve, ela não o percebe. Porque conta o troco do pão.

terça-feira, 10 de junho de 2008

"Hello stranger"

"você me faz parecer menos só, menos sozinho;
você me faz parecer menos pó, menos pozinho"

E de repente, como se a sua solidão não fosse mais uma questão de querer sair dela, mas sim de haver a necessidade de não estar mais só; então tentava buscar nos olhares confusos das ruas, nas pessoas passando apressadas e aleatoriamente, a razão de sua existência. Sim, tratava-se de uma pessoa profunda, exagerada, de últimas conseqüências. E buscava razão na fumaça de um cigarro, no fundo de um copo ou na dureza de uma sarjeta. O sol lhe afagava o rosto, dando-lhe o carinho que ninguém se importava em oferecer-lhe. Mas o sol estava distante. Não mais que aquelas pessoas que ignoravam sua existência. E isso machucava. Doía como uma alma sangrando. E era inevitável e irremediável. Me dê um remédio para a alma. Foi o que pensou em dizer ao balconista da farmácia mais próxima. Mas sabia que não adiantaria. Parou no próximo bar e então fez o pedido. A bebida não o embriagava. Aliviava as dores e o fazia esquecer de si por alguns instantes. Era tudo que tinha: bebia. E quem o olhava não queria saber dele. Questionava sua moral, sua índole, e tudo que há de se questionar quando se trata de um bêbado-infeliz-que-podia-ter-tudo-na-vida-e-não-tem-nada. Bêbado infeliz é redundante. Enfim. Questionava-se tudo ali, mas não se chegava à questão-raiz. Ele bebia porque doía. Ele bebia porque queria um pouco de paz. Ele bebia porque amava sem saber quem. Bebia porque não tinha alvo. Bebia porque era o que lhe restava. Até o último gole.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Carta para mamãe

É preciso, mãe. É preciso que eu sofra, mesmo que isso te faça sofrer também. Não é assim a vida da gente? Já ouvi algumas vezes que se você precisa passar por aquilo, ninguém vai passar por você. Sei que gostarias de abstrair de mim todo sofrimento e todas as coisas ruins, que gostarias de juntar toas as minhas mágoas, enfiá-las dentro de um saco preto desses de lixo e levar na esquina e esperar o caminhão de lixo levar tudo embora. Mas não é assim que as coisas são, não é mesmo?
É minha obrigação carregar minhas dores, da mesma maneira que cabem a você as suas. Se nossa liberdade acaba mesmo quando a do outro começa, não queria tudo para você. Apesar de ser um sentimento nobre, nem vale a pena, e não passa de egoismo. "Eu quero sofrer no seu lugar, para te ver sorrir". Mas me causaria dor maior saber que meu riso tem razão na sua dor, então, para que eu não sofra - ainda mais -, me deixe sofrer em paz, me deixe aprender com a minha dor. Me deixe morrer tentando ser feliz., tentando achar um caminho florido por aí.
Afinal, o que é a vida senão a busca pelo que nos faz bem? Só conseguimos busccar algo com afinco e prazer, tentando. Me deixe tentar. E aí, quando eu não conseguir, não sofra, não sofra for mim. Estarei bem em pouco tempo, e poderei navegar por outros mares, experimentar novas sensações, percorrer outros caminhos.
E um dia, quando eu estiver feliz, te convido a participar da mesma sensação. E abriremos o sorriso mais cheio de dentes, e multiplicaremos a felicidade plena da tentativa que deu certo.
Não fique espantada com a minha possível frieza, mas é que quando tem uma meleca no seu nariz, ninguém pode tirá-la senão você. Então deve haver prazer em realizar uma tarefa que o mundo - ? - designou a você cumprir, e só a você. Aí você enfia o dedo no nariz com gosto, e tira aquela meleca que te incomodava. Se você faz isso na frente de outras pessoas, talvez terá que ouvir que isso não se faz, que não é higiênico e é falta de educação. Mas isso importa realmente? Se importa, não deveria. Porque a meleca estav te incomodando, e agora não está mais! Então vire as costas e saia, não de ouvidos. Às vezes, para sermos felizes, precisamos ignorar.
Pássaros presos em gaiolas não voam. Com o passar do tempo, talvez eles parem até mesmo de cantar, e isso não é bom. Pássaros devem ser livres, devem buscar a própria comida e conhecer as flores mais bonitas sozinhos.
Bata suas asas e vá atrás de suas flores. Quanto ao resto, o caminho nos mostra o que fazer, e se por acaso as pedras ou o vento ou alguma coisa machucar as suas asas, desça, cure-se e tenha a certeza de que eram AS SUAS asas que deveriam ser atingidas, e não as de outros pássaros. E encare tudo como um aprendizado, porque no fim das contas, é isso que é mesmo...

segunda-feira, 31 de março de 2008

Isso passa




É engraçado como o tempo passa,
E de repente (ou não) as coisas perdem a graça.
Desgraça!
Os laços mais fortes,
Os abraços mais apertados,
As conversas mais longas,
As risadas mais loucas.

Cedem ao tempo - ou à falta de tempo -
E desaparecem
Na nuvem negra do passado,
do "foi bom enquanto durou",
do "bons tempos aqueles",
do "não somos mais como éramos antes".


Mas ficam fotos, fatos, flores de plástico
Não morrem as flores, não morrem os fatos,
Não morrem as fotos.

Morrem as relações.
Morre o calor dos corações.


Mas ressurgirão, tão certo quanto
É frio o vento, é quente o sol,
É novo o som dos teus lábios
Há muito tempo calados.

Na pior das hipóteses,
Há o que se lembrar,
O que rir e o que chorar.
Há a lembrança para
Abrir o sorriso amarelado,
Relembrar um amor do passado.

Há uma vida que foi vivida e que
agora vive do que não é mais.

Isso passa...

quarta-feira, 19 de março de 2008

De leve

Calma,
não tenha pressa.
É quando a gente acha
Que tá tudo acabado
Que o sol nasce outra vez,
em Vênus, em Marte,
em toda parte.

Aí a gente leva um susto bom,
Um susto de esperança que voltou.
E começa rir que nem bobo
E não dormir à noite
E pensar o dia todo.

E de repente os espaços se enchem
E as noites tomam um ar mais alegre
E os dias, um gostinho mais doce...

É o Amor.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Sem título

Mas o que fazer quando o silêncio é a melhor resposta?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Egoísmo é defeito?

Não gosto muito de fazer citações, mas essa me chamou atenção:

"- O prazer é a única coisa merecedora de que se lhe dedique uma teoria - replicou lorde Henry, com a sua fala melodiosa e lenta. - Mas desconfio que não posso reivindicar a qualidade de autor dessa teoria. Ela pertence à natureza e não a mim. O prazer é o teste da natureza, o seu sinal de aprovação. Quando somos felizes, sempre somos bons; mas, por sermos bons, nem sempre seremos felizes.
- Ah! Mas que entende por bom?! - exclamou Basil Hallward.
- Sim - acudiu Dorian, recostando-se na cadeira e encarando lorde Henry por cima dos ramos de íris purpurinos do centro da mesa -, que entende por bom, Harry?
- Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo - replicou o interrogado, roçando a haste fina do seu cálice com os dedos pálidos e afilados. - A discordância está em sermos forçados a viver em harmonia com os outros. A nossa vida: eis o que importa. A vida dos nossos semelhantes... quem quiser dar-se ares de pedante ou de moralista poderá julgá-la pelos seus critérios morais; mas a vida alheia não é da nossa conta. Além disso, o individualismo tem realmente a finalidade mais alta. A moral moderna consiste em aceitar-se o padrão da nossa época. Ora, a meu ver, um homem de cultura aceitar o padrão da sua época é uma forma da mais crassa imoralidade.
- Mas, meu amigo, quem viver egoisticamente, só para si, não pagará por isso um preço terrível? insinuou o pintor.
- Sim; hoje tudo se paga muito caro. [...]"
"O Retrato de Doryan Gray" - Oscar Wilde

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Canção para a tarde vazia

Cadê você?
Por onde anda,
Além de rodar
sempre por aqui?

Me pergunto e sei
Que a resposta não vem
E preencho essa urgência
Com a minha impaciência
Te esperando aparecer
Na esquina ou o telefonema.

Enquanto isso,
Para esvaziar esse vazio,
Pego o isqueiro -
Meu último paradeiro,
A última instância
Da minha loucura sã
E no vazio da tarde,
Quando tudo está laranja,
combinando com o filtro
Puxo e busco esperança
Que morre a cada ânsia,
Que enlouquece a cada
Instante enquanto nada vem.

Não sei se é certo
Se é correto ou indicado,
Mas é o que resta
Pra saciar a minha sede de você.

Que essa rotina não me mate
A menos que a ti me leve.
Mas ti, quem é?
Que tudo isso me levante,
Me dê força, me dê chance
De mostrar a mim mesmo
Que sou capaz de não perder.

Derruba minha pressão.
Cai e ultrapassa o chaõ,
Desce no poço mais fundo,
O mais fundo do mundo,
Onde tudo se esconde
Como se fosse crime.
Um crime branco,
Sem culpa, sem culpado,
Porque não há nenhum responsável.

E agora já não importa
Se a vida está misturada à morte.
E se assim for,
Que eu morra de amor.
E que, na pior das hipóteses,
Seja amor a mim mesmo.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

EU TE AMO

"Se tudo passa, como se explica
O amor que fica nessa parada?"
Hoje faz um ano. Será que você lembra? Aquelas palavras mal encaixadas umas nas outras, tentando explicar aquele amor guardado por tanto tempo, sem saber no que ia dar o resultado daquilo tudo. Amizade colorida? Amizade somente? Namoro? O jeito foi chutar e ver o que acontecia. E foi melhor do que pensei. Foi melhor do que sonhei, foi melhor do que eu teria escrito caso se tratasse de uma história de amor. E era. E foi. E é, por que não? uma história de amor, sem pontos finais, assim como você quis - embora não saiba se ainda o quer assim, sem fim. De lá pra cá tanta coisa mudou... Só não o meu amor por ti. Esse, se não aumentou, permenece inalterado. Não consigo não te amar. É mais forte que eu. "E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?". Não estou seguro de que possa dizer o mesmo quanto ao que sente por mim, mas prefiro pensar que não vai me esquecer, ainda que o espaço que ocupo aí talvez esteja perdido no meio de tantos outros nomes, lembraças, sentimentos... Guardo tudo que de bonito nos aconteceu. Guardo com todo carinho possível e imaginável. Um dia você me disse que "nada é impossível, no máximo, é improvável". Fiquei pensando por um bom tempo nisso, e depois tive a prova - dada por você mesmo - de que nada é impossível. E naquele momento, o mundo parou, e tudo que me aconteceu nos dezoito anos anteriores foram compensados por aquele instante. Magicamente, não mais de alguns segundos, que se estenderam por toda uma vida. Isso tá parecendo papo daqueles românticos incuráveis. Talvez seja mesmo. Mas e daí? Se tivesse sido ruim, não teria deixado saudades, não teria me permitido pensar nisso todas as noites desde então. Cada lágrima que rolou, cada olhar, cada palavra (talvez não dita, mas escrita, na maioria das vezes), cada gesto, cada abraço, tudo, tudo tatuado na memória, fazendo parte dessa vida errante e solitária, porém feliz, apesar de melancólica. Hoje olho pra você e te vejo sorrindo ao lado do seu amor. Isso me alegra, me dói mas me alegra. Dói porque não está comigo, mas me alegra por estar bem. Tem tanta coisa, tanto sentimento, que me perco. Nas lembranças, nas conversas, nas noites não dormidas, pensando em você... Mas também, quem é que nunca passou por isso? Talvez seja só "mais um" amor, e talvez eu não me permita esquecer porque foi o PRIMEIRO. Em todos os sentidos. E talvez porque não queira ser esquecido também, mesmo não tendo sido o primeiro pra você. Só uma coisa iria me doer mais do que a sua ausência: a minha ausência em ti; o "ser mais um" entre outros tantos amores, curtições e sei lá mais o quê. Me diga que serei lembrado. Minha alma egoísta e apaixonada pede por isso. E mais: ela tem vontade de você outra vez. Do seu toque, do seu cheiro, do seu beijo tão gentil. Uma única vez. A ÚLTIMA. Para ficar para sempre guardada, inesquecível como a esperança que nunca cessa dentro em mim; indelével e inabalável, como o AMOR que sinto por você.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

"Qualquer coisa que se sinta"


"What shall we use to fill the empty
Spaces where we used to talk?
How shall I fill the final places?
How shall I complete the wall?"

Um amor, é tudo que quer e precisa. Um amor que transforme em tardes as frias manhãs de inverno, em noites as tardes cinzas e vazias e em novos dias as intermináveis noites de insônia. Um amor que preencha todos os "empty spaces" ou ao menos alguns.



Não que deva ser realmente necessário dividir sua alma em dois (e chamar a outra metade de "gêmea") para que viver tenha algum sentido. Alías, não é nem justo que outra pessoa se responsabilize pela "tarefa" de nos fazer felizes - ou completos, ou seja lá que nome se dê a esse sentimento que faz as novelas virarem mania e os filmes virarem sucessos.


Mas e esse vazio? Preencher como então? Chega uma hora em que ursinhos de pelúcia não servem mais como companhia, passam a ser o que sempre foram: enfeites. E a menina quer brincar de namorar de verdade. Chega uma hora em que os cometas passam rápido demais, ou nos enjoam facilmente (se é que passam), e tudo o que mais se deseja é abrir a janela e ver um sol brilhante lá fora, bem alto no céu, que aqueça o frio e dê fim à escuridão, que traga qualquer certeza mínima à quem até então só restou ter esperança.


Um amor que compense: compense as dores, as noites em claro, as decepções anteriores, as juras não cumpridas, as datas esquecidas, as brigas adiadas. Um amor tranqüilo. Ou mesmo um amor louco, que é melhor do que nada. Um amor para AMAdores, desconhecidos de razão ou limite. "Qualquer amor, qualquer coisa que se sinta", ainda que sem sentido.


O que precisa é simples: amar, mais do que ser amado. Na verdade, se não é pedir demais, quer um amor justo, nem escravo nem opressor. Um amor que se baste, que se sustente por si próprio, sem cobrar nada, sem perder nada que uma individualidade forçada se habituou a tornar cotidiano por não ter com quem dividir aquele domingo no parque, ou aquele cd novo, ou aquela divagação sobre os mistérios da vida...


One love, no more.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Meus pêsames

Tinha um cadáver ali, esticado no chão daquele quarto limpo, apesar de bagunçado. E não era um cadáver qualquer. Esse era "especial", porque, apesar de absolutamente imóvel e sem qualquer indicação de presença de sinais vitais, vivia.
Um semi-cadáver. Foi deixado ali porque havia o nojo e a aversão característicos de tudo que morre. O que fazer? Enquanto não chegasse alguém - testemunha - com coragem suficiente para tomar as medidas necessárias, nada.
E o semi-cadáver lá, pacientemente morto, inerte e provavelmente rindo-se por pregar uma peça nos espectadores de seu corpo cheio de pernas e todo nojento - como a criança que finge dormir quando algum adulto se aproxima. Por falar nisso, tenho para mim que, quando criança, quem me enganava eram os adultos (eles nunca percebem que a gente percebe que eles sabem que estamos fingindo, porque adultos não sabem representar).
Mas não no caso do semi-defunto. A cena parecia mesmo de teatro. Todos abandonaram o cadáver lá. Inclusive o próprio cadáver abdicou de sua vida por alguns instantes em favor da farsa. Nós fazemos isso às vezes, abrindo mão de nós por nossos amigos, parentes, ou pelas grávidas nas filas do mercado ou do banco. Não acho errado. Na verdade não acho nada sobre isso.
E lá estava aquele corpo todo esquisito - porque se mortos já são estranhos, semi-mortos
então... Mas aí cansou-se de ser morto (ou teve medo de se acostumar com a representação e depois não saber viver novamente) e - susto! - levantou. Não, não levantou. Rastejou. Só movimentou-se. E de forma tão abrupta, como que tomado por um susto provocado por um pensamento que o assustou profundamente (como acontece quando estamos quase dormindo) - e moveu-se. E assustou a todos, ainda mais que a si mesmo.
Mas é compreensível. Imagine o espanto de ver um cadáver no seu quarto limpo apesar de bagunçado. Agora imagine que este cadáver se mexe. Pois então... Apesar de tudo, uma cena bela. Alguém que escolhe morrer para representar e, com medo de então morrer para sempre, volta a viver como num susto. Quando será que morrerá verdadeiramente?
Isso parece "Beleza Americana". Pessoas que viveram mortas e que, não contentes em ter passado pela vida ao invés de fazê-la acontecer, resolvem "mudar de vida" nos instantes finais. Mas aí é tarde para se mudar o fim. Havia cerca de quarenta anos para serem pelenamente vividos, e que foram mortos dia após dia, a cada sufocamento de vontade, a cada vez que se evitou ser feliz ou abrir um sorriso. Então resolve-se: "Agora vou viver". Mas aí não há mais tempo... Aí, se há vida após a morte, quem sabe na próxima se aprenda. Mas o tempo desta vida acabou. Foi tudo ao contrário: morreu-se em vida, e quis viver a morte... Meus pêsames: seu tempo acabou.
O tempo só é eterno para as baratas. Elas dominam a arte de viver: espalham seus órgãos para fora do corpo quando são massacradas por chinelos desesperados de nojo, vivem sei lá quantos dias sem cabeça e só morrem por não conseguir comer. Elas vão repovoar a Terra após a explosão das bombas atômicas. Por isso tenho motivos para crer que aquela barata que se foz de morta naquele quarto limpo apesar de bagunçado veio só nos dar um recado: não importa o quanto vivo ou morto você esteja, seu mundo será meu.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Te espero para o chá, às cinco.

"Janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar"
Esse tal de Amor. Acho que é meio como Deus. A gente sabe que existe porque ouve falar, tem fama de ser bom e tudo... Mas nunca dá as caras. Pra mim pelo menso não. Mas não guardo ressentimento. Pode ser por pirraça que ele não aparece, mas também pode ser que eu ande me escondendo, então, por via das dúvidas, prefiro acreditar que o Amor é bonzinho e que um dia, em forma de alguém, ele venha tomar um chá aqui comigo, ou um café, e nós nos ocupemos, pelo resto dos tempos, um do outro. Simples assim.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O Texto da Alma que Foi

"Deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma
Da minha mão"
Me assalta de novo a necessidade de escrever. Aquela inquietação que não se sabe de onde vem, nem como chega e se instala, mas que, de repente aqui está e toma conta de tudo e não se ausenta antes de eu me sentar aqui e escrever (rabiscar) meia dúzia de palavras talvez sem sentido, talvez transbordando significados, mas com o único intuito de liquidar a sensação de "você TEM QUE escrever".
É meu compromisso com a alma. Ter papel e lápis na mão quando a alma quer sair de alguma forma. Aí ela sai por aqui. Finge que papel e lápis são portas e de repente ela chuta tudo ao acaso e sem aviso, e sai. Sabe lá pra onde vai. Perde-se por aí - ou encontra-se. E sempre se expulsa daqui de dentro da maneira mais "feroz" possível. Me deixa todo bagunçado por dentro, mas me deixa em paz.
Não sei que segura esse lápis. Me confundo quando escrevo, e não sei se sou eu, se é a tal da alma rebelde, ou se é uma mistura (afinal, uma alma vive sem corpo? um corpo vive sem alma?), ou ainda talvez não seja nada disso e eu esteja (eu?) inventando tudo só pra ter o que escrever. Mas nessa hipótese não creio. Enganando quem lê, se engana também quem escreve, porque se o que Clarice Lispector (por exemplo) escreve diz tanto a mim e é mentira o que ela me diz, então ela mentia para si ao transcrever aqueles pensamentos (que também sabe-se lá se não era a alma dela querendo sair...).
Não sei se consegui explicar, mas o que importa é que se, no caso d eeu estar escrevendo, estiver inventando tudo e enganando quem lê, também engano a mim (e isso é ainda pior, segundo o Renato, porque "mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira"). Se, ao contrário, quem divaga sobre verdades e mentiras aqui é a alma que quer sair de dentro, então engana a todos nós.
Então pronto. Bela alma que tanto queria se jogar no papel e acaba agora confundindo tudo. Se bem que não há, na arte da escrita - ou em qualquer outra arte - obrigação nenhuma de esclarecer nada.

Se me incomoda essa confusão? Lógico que não. O que me incomodava era aquela necessidade primeira de escrever. Se aquilo virou isso, não posso fazer nada...
E é o que vou fazer: nada. Sinto que a alma agor está longe daqui, e não sei se demora pra voltar (mas volta, fiquem calmos). Então paro aqui, e quando ela voltar, que sinta-se à vontade pra desonfundir tudo, ou nos confundir de novo...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Sobre a TV

"Vem cá, vem ver
Como tem babaca na tv"

Acho graça quando escuto que sou "pseudo-intelectual" só porque não dou funcionalidade àquele aparelho que enfeita minha estante na sala. É, passo batido pela TV sim. Aos domingos então... Ver o quê? Gugu, Faustão, Pânico na TV?
Nada contra quem assiste. Desde que não venha se meter no que eu vejo ou deixo de ver, e pare de me achar intelectual ou o caralho por causa de uma merda de televisão. Todo mundo sabe dessa manipulação barata de opiniões e costumes, mas continuam vendo qualquer merda que passar na tv. Se a Bebel é a estrela da novela das oito, então todo mundo saindo vestido que nem prostituta na rua, ok? Jornal Nacional, se espremer, sai sangue, porque o que cola é noticiar tragédia... Só porque decido virar as costas pra tanta desgraça e futilidade, virei "intelectual".
Vai começar amanhã a oitava edição do Big Brother Brasil. A Globo adora. Fatura milhões em ligações e acessos ao site do programa. O povo adora também - porque quem não adora tá por fora - e ocupa noites vendo os "brothers" se enchendo de festa, comida, bebida, bunda no sol e piscina no calor, e dias votando nos emparedados. E continuam em suas vidas de merda, ganhando seu salário de merda, mas tudo bem, né?
Agora pergunta se lembram em quem votaram pra prefeito, vereador, governador, deputado... Disso ninguém lembra. Não que esteja errado não lembrar dos caras que a gente põe nos cargos públicos pra nos representar e lembrar da mocinha da novela - até porque a gente pode ligar a televisão e ver o rostinho bonitinho dela todo dia, e os deputados só vão trabalhar três vezes por semana (e pra ser sincero, também acho a TV Câmara um saco!). Mas poxa, pra assistir televisão só pra ver quantos morreram nas estradas no fim do ano ou carnaval, ou ver novela e depois ter que "cair na real" e ver que aquilo não tem nada a ver com a vida do brasileiro, então prefiro não ver nada (inclui-se aí, no NADA, os documentários sobre tribos indígenas que não existem mais).
Não sei o que eu quero com isso. E na verdade, é só o que eu penso também. Se você se satisfaz assistindo os especiais de fim de ano da Globo ou as palhaçadas do Pânico na TV, tudo bem. Ninguém vai dizer que está errado. Do mesmo modo que a minha escolha de não assistir a nada disso também não está errada e não deve ser questionada e nem rotulada de "pseudo-intelectual", "intelectual" ou o que for.
A televisão tá aí. Faz parte da vida da gente, querendo ou não. Cada um que escolha o que quer ver, assim como cada um escolhe que cor de roupa comprar, ou que música ouvir, ou o que beber, comer etc. SEM RÓTULOS, porque não somos produtos.
E tenho dito.