segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Das intenções da chuva 3


"E a chuva vem pequena e grandiosa
Acalenta ou revira o nosso lar

[...]

A chuva nunca para de cantar
A chuva nunca para de descer

E a chuva
Com o seu sonho de água vem acesa
Pra lavar o que passou"

Existe algo de mágico na chuva, naquelas gotas que sucumbem à gravidade, assim como alguns sentimentos que cucumbem à granes amores inventados.

Todas essas coisas - amores, água, sentimentos, invenções - ajudam a deixar os dias chuvosos com aquela cara de renovação, apesar de tudo. Renovação de espírito, pois nos obriga a mergulhar no oceano interior e dar braçadas enlouquecidas para tentarmos nos salvar do afogamento.

Afogamento. Dizem que é a pior maneira de morrer (se alguém souber de um jeito que não seja o melhor, pode avisar), e no entanto, está tão perto de nós em dias chuvosos...

E é como se nos matasse mesmo. E matasse tudo que nos aflige. A água enferruja a mais bem feita de todas as armaduras, então não adianta se esconder por muito tempo. Derrete a argila, por mais consistente que esta seja, então não adianta a dureza moldada por necessidade de não sofrer. A água leva consigo vida, mas nos dá a chance, sempre, de nascer novamente.

É a natureza da chuva que, em janeiro, alaga casas, derruba encostas e desabriga pessoas, mas que faz florescer os campos, faz encher os rios e traz a beleza cinza das tardes úmidas.

A chuva é a chance de cura para as doenças da alma.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Das intenções da chuva 2



"Eu perdi o meu medo
O meu medo
O meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra
Traz coisas do ar"


Chover lava; desde a calçada - que a vizinha insiste em molhar depois que a chuva passa - até a alma. Sim, lava a alma. Lava das poluições dos dias quentes e calorosos, dos contatos que se faz nos dias não-chuvosos, das pessoas que se viu e das coisas que se disse quando o sol estava brilhando.

Fala-se sobre coisas diferentes em dias de chuva e de sol. Quando está sol, sai tudo mundo semi-nu por aí falando que calor é a melhor coisa que tem, que as pessoas ficam alegres e felizes e saem pulando e achando tudo lindo. Nos dias de chuva, dizem que "droga, acaba logo", ou então "tenho medo de chuva...". Mas eu não acho que seja isso realmente. O medo que se tem não é da chuva, é das sensações que se fazem presentes nos dias chuvosos. Disso sim é que se tem medo.

Ninguém sabe lidar com dias molhados. É preciso aprender, e não é tão fácil assim. Primeiro precisa-se perder o medo da chuva, o medo de se molhar e de ter os programas de fim-de-semana atrapalhados pelas gotas. Primeiro é necessário se libertar de todos esses mitos e encarar a chuva como uma parceira. Aquela que alivia o seu dia, que deixa ele mais fresco e suportável, que não te permite derreter no "Rio 40 graus". É pra isso que serve chover.

Ou não...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Das intenções da chuva


"Chove lá fora e eu não tenho mais você,
Quanta vontade de te ver.
Saudade é a tempestade que fecha o verão,
É o último suspiro da paixão"


Os dias de chuva trazem consigo as lembranças úmidas guardadas nos porões da memória. Aquelas lembranças mofadas de tão velhas, ainda que não tão antigas, e que se tornaram velhas porque desobedeceram a ordem do tempo e resolveram se econder no fundo da consciência, naquele canto escuro e intocável que sempre que é remexido, dói.

A chuva traz, gotejando, sua presença ausente. As gotas são a transmutação da sua presença junto a mim. Não presença física, nem psicológica, mas tão real que me sinto molhado, detiado na cama ouvindo você cair lá fora.

A chuva tem uma beleza dolorida, e apesar de às vezes vir calma e discreta, arrebata ainda assim. Porque é você pingando, intenso ou não. Quando você vem em tempestade, leva tudo consigo, mas depois traz a calmaria de um horizonte iluminado com os arcos coloridos e os raios fracos do astro rei. Um brinde ao recomeço.

E ao sinal mais fraco de sua ida, a chuva leva para longe tudo que trouxe, desavisadamente. E abre-se o sorriso como abre-se o sol. Ambos não intensos, mas insistentes em estar ali, como que obrigados. Obrigados a trazer a glória após o esforço, o troféu após a vitória, e o amor, após a solidão.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Ser livre é coisa muito séria

"Quando não se têm mais nada
Não se perde nada
Escudo ou espada
Pode ser o que se for
Livre do temor..."

Era ele. Nem alto, nem baixo, nem gordo, nem magro, nem careca, nem cabeludo. Era aquele meio termo de homem e garoto, de ancião e meia-idade. E só ia. Sabia sobre si apenas isso: ia. Pra onde não sabia. Pra quê não sabia. Nada ali importava, desde que fosse. Continuava indo e era tudo que queria. Ir, sem parar nem para respirar. Não respirava. Ia sem pressa, mas não devagar. Ia pra onde os passos - por vezes errantes - o levassem. Ia solto, sem vontade de nada, sem necessidade de nada, sem perder nada.
E essa era a vida dele: nada. E contentava-se com isso. Era preciso ser alguma coisa, apenas pelo fato de existir? A existência obriga que se viva? Ele achava que não. E assim era. Existia, sem, contudo, viver. E adorava não ser chateado pelas obrigações de quem vive. Não cumprimentava vizinhos chatos (nem legais), não lia, não escrevia, não falava. Era um corpo animado de movimentos. E só. Perambulava sem objetivos, sem certezas e nem ilusões. Como se fosse um papel em branco sem a menor vontade de escrita. Como se fosse uma tela sem vontade de tinta ou uma sede sem vontade de líquido.
Ele queria sumir. Ir embora de uma vez por todas. Despir-se e despedir-se de tudo que já - há muito - não era seu. Não era seu por escolha própria. Escolheu não depender de nada e ninguém, de situação nenhuma. Decidiu não saber o que é o amor, nem o que é o ódio. Preferiu privar-se desses sentimentos em troca de nada. Trocou por nada as amizades que poderiam ser eternas, trocou as raízes profundas de seus relacionamentos por preferir não regar a árvore da vida (se é que em algum momento houve uma). E quando decidiu sumir, não passou vontade. Foi-se com tudo o que tinha - tudo o que? Foi-se livre, sem depender de nada, como fizera durante toda a sua existência (seria um engano dizer "durante toda a sua vida", uma vez que abdicou de viver). Foi-se com toda a sua liberdade. Ele podia virar as costas e sair por aí, como muitos - que tem tudo - não podem. Ele tinha a liberdade, e lhe bastava. Ele tinha tudo que todos procuramos. E teve também coragem para poder ser livre.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Um vai-e-vem infinito...

"Me lembrarei de tudo que eu não disse
E de quando havia tudo que existe"

"Eu sou o que escrevo. É assim que vivo: só escrevo o que vivo. Porque não posso escrever o que não sei. O que penso eu sei, eu construo, eu faço um mundo dentro de mim. E assim, mesmo que não possa tocá-lo, ele existe, e é sobre ele que escrevo, sobre as sensações que percebo no mundo que crio. É o dever que temos: escrever, para capturar o momento e torná-lo para sempre. Sim, porque escrever é a maneira que, ainda falsa, temos para dominar o tempo. E assim, sabendo que esse instante está guardado, posso me permitir pensar outras coisas, guardar outros momentos. E esse eu quero guardar, especialmente porque é tão incomum e há algum tempo foi tão surreal, que nem mesmo eu tendo autonomia para criar no meu mundo o que quisesse, criaria esse momento. Ah, provavelmente vocês me dirão que não crio nada, que tudo é coisa de destino, mas eu não sei. Logo, sobre destino não posso escrever. Só escrevo o que sei. E sei que você precisou de mim hoje. tanto no meu mundo quanto no seu (porque sinto que tem um mundo seu também). E fico satisfeito por ter sido solicitado, ainda que apenas para ouvir-te. Se bem que ouvir é muito mais complicado do que falar, acredite. O bom é que pude comprovar que pensamos - ainda que com tantas diferenças - em alguns pontos, da mesma forma. Não queremos ser esquecidos. E te disse que todos pensam mais ou menos assim. E você disse que, ainda que pensem, não são todos que fazem acontecer assim. Serão esquecidos porque o desejo de serem lembrados ficou no pensamento. É outro motivo pelo qual escrevo. Porque pensamentos são muito efêmeros. Eles parecem ter medo de aparecer mais do que uma vez. Então coloco em prática o exercicio da escrita, ao passo que você faz o que pode para não ser esquecido. E vamos juntos a partir de agora. Você devendo no banco e eu tentando seqüestrar esses pensamentos inquietos que passam daqui pra lá e de lá pra cá, dançando em minha cabeça. É uma troca mútua: eu te escuto e te apóio, e você, ainda que involuntariamente, me faz escrever (ou ao menos me faz pensar). Pensar em coisas que não pensaria em outras circunstâncias, porque não existiriam no meu mundo mesmo que pudesse inventá-las, já disse. Mas não sei por que não existiriam. Só não existiriam. Parece um monte de bobagem, e talvez seja mesmo. Mas eu quero guardar. Eu insisto. E tem coisas que devem ser assim mesmo: insistidas. Se não insistirmos, como seremos lembrados? As pessoas desistem muito cedo de seus sonhos. É por isso que talvez suas vidas sejam sem graça. Mas a gente não. Nossas vidas não podem ser apáticas como tantas outras. Afinal, viremos andarilhos mas não nos permitamos aos filhos chatos e cheios de problemas que terão filhos que terão filhos que não se lembrarão de nós (se chegarem a ter consciencia de que existimos)... Somos "teimosos", e isso, certamente, nos permitirá livrarmo-nos daquilo que, assim como o horror do esquecimento, nos atormenta tanto: a indiferença. Só não nos livraremos do risco de sermos incompreendidos. Porque, ao contrário de tantos, contentamo-nos com pouco: basta querer. Não existe motivo maior."

Eu escrevi esse texto há algum tempo...
Quem devia, não leu; mas minha parte eu fiz.
E me lembrei dele ontem. Não queria, mas lembrei...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Poema de Quase-Amor


"E porque quando você me abraça
O mundo gira devagar"




Deixa eu te invadir?
É, sei que não é pedido que se faça.
Mas eu preciso, eu não posso mais
Ver-te assim me aflige tanto
Eu preciso te resgatar
Só não sei como

Vem cá, me dá um abraço
Invada a mim também
Não precisa temer, aqui ninguém te fere
E se isso acontecer, fique à vontade pra fazer o mesmo
Aqui não há palavras que machucam
Mas se te ferirem, finja surdez
E saiba que não foi a intenção
Eu te acolho
Vem, sinta-se em casa, é meu colo
Esconda-se aqui onde não há perigo
E eu te protejo com minha vontade
Olhe nos meus olhos
Veja como te quero

Não precisa temer
Não te cobrarei um depois
Porque eu te quero agora
Deixa eu te resgatar dessa solidão
Deixa eu te tirar dessa escuridão
Que só te corrói

Sabe o que é amar?
É arder de desejo por um beijo
mas contentar-se com um sorriso.
Sorria pra mim
Eu contento-me em invadir você
Com aqueles abraços que tentam fazer
dois corpos se tornarem um só
Sempre fracassados
Impossível dois em um
Mas insistimos nisso como dizer que existem almas gêmeas
Que mesmo sendo gêmeas, são duas
Não tem como ser um dividido em dois
Não tem como eu invadir você da maneira como desejo
Mas me contento com seu sorriso

Sorria pra mim
Mesmo que seja a última vez
Sorria pra mim
Mesmo que seja sorriso por outro
Sorria pra mim
Porque seu sorriso
É o que me faz também sorrir
******
Esse escrevi junto com o Darlan.
Nunca tinha escrito nada em conjunto.
Gostei :)

sábado, 8 de dezembro de 2007

O importante é o que importa

"E quando você olha para o céu, você sabe que está olhando para estrelas que estão centenas de milhares de anos-luz distantes de você. E algumas das estrelas nem existem mais, porque a luz dela leva tanto tempo para nos alcançar que elas já estão mortas, ou já explodiram e colapsaram em anãs vermelhas. E isso faz você se sentir muito pequeno, e se você tem coisas difíceis na sua vida é agradável pensar que elas são o que é chamado insignificantes, o que significa que são tão pequenas que você não deve levá-las em conta quando está calculando alguma coisa".

Não sei quem escreveu. Li em um livro onde o narrador era um garoto autista que adorava cálculos, e nesse trecho ele explica por que matemática não é difícil. Bom, apesar de sentir-me muito pequeno diante do universo quando vou fazer cálculos, nunca os acho simples...
Mas se a gente troca os cálculos pela vida, fica melhor...
Achar que os nossos problemas são os maiores do mundo, só deixa tudo mais difícil de se resolver. Se importar com a vida dos outros se mesmo a nossa é tão "insignificante" não tem fundamento algum.
Enfim, dar importância ao que tem mesmo importância é tudo o que devemos fazer. Lógico que corre-se o risco de parecer apático ou desinteressado das coisas, mas nada melhor do que estar bem consigo mesmo, e se importando só com as coisas que devem nos importar, não é?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Mundo particular

"Meus conflitos são internos
Tranco a porta
Engulo a chave
Depois quebro tudo
pra poder me libertar.

Sobram cacos e mais nada
A porta continua trancada
Fica só a esperança
De te ver talvez voltar.

Me ajude a construir de novo
O que eu quis tanto quebrar
Talvez lutar não valha nada
Mas eu tive que tentar.

No fim, tudo acabado:
Eu trancado, calado,
Esperando o que não vem
Matando o tempo imaginando
Que tudo vai ficar bem.

Pensamentos como cola
Tentando juntar os pedaços
As partes estilhaçadas
Que nunca mais vão se encontrar.

Mas tudo vai ficar bem..."

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Domingo é pecado


"Ver o sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo..."


Quando as coisas não são, é deprimente. Quando não é dia nem noite, quando não é nem começo nem fim de semana: quarta-feira, quando é só metade do amor, quando é eclipese, quando é meia xícara de leite. É horrível. Não pelo fato de não ser exato, mas pela inidefinição que isso causa. Não ser nem uma coisa nem outra confunde. Ainda mais nas noites de domingo.

Entre duas coisas definidas - ser ou não ser? - não querer nem uma nem outra é comum aos domingos. Indecisões fazem parte dos dmingos. Domingos deveriam ser extintos. Servem para quê? Ao menos para nós, pseudo-intelectuais-com-vida-amorosa-frustrada-cheios-de-crises-existenciais, não serve de nada.

Essa "mania" de sentir tudo, sentir cada acontecimento simples - como a sacola dançando no vendo, em Beleza Americana - como se fosse a coisa mais intensa que tem, às vezes não presta. Afinal, qual a diferença entre um domingo à noite e uma terça à tarde? Nada!

Mas não é isso que sentem os sensíveis. Os que resolveram ter a sensação de profundo da vida (com a desculpa de estar vivendo intensamente cada momento), se incomodam com o indefinido ser de domingo.

Mas isso é de cada um, né? Nada que uma noite de sono - ou em claro - não resolva. Em algum momento da vida, temos de pensar em outra coisa. E quando isso acontecer, talvez seja a monotonia do sábado de manhã - com aquele sol mais ou menos, que ilumina as coisas mais ou menos - o que nos incomode. Não por incomodar realmente, porque nem o domingo tem esse poder, mas como desculpa, como disfarce para novas indecisões diárias...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Logo passa...

"Me sinto tão só
E dizem que a solidão até que me cai bem"




"Sofrer por amor não é novidade pra ninguém
Agora,
Sofrer por não amar, como que é?


Sim. Não amar


Não amar por estar cansado
De amar e não ser amado
De se descabelar enquanto o outro,
no máximo, observa.


Não amar por estar bem
Sem ninguém,
E sem contar você, não ter nada além;
Mas às vezes faz bem também.


Não amar porque não tem
A quem dar o seu amor
Daí vira tudo dor:
É no que o amor evitado se transforma.


A menos que se evite o amor
E a dor ao mesmo tempo.
Mas aí a vida perde a graça.


Quem não precisa de amor
Para estar feliz
Merece um prêmio.


Nem sei aonde quero chegar
Falando disso tudo.
Mas deixa, mais perdido que estou
Não ficarei.


Não ficarei.
Estarei por aí,
E quem me encontrar: sorte.
Estarei aqui, mas não ficarei...

É estranho, porque ninguém vive sem amor"



Ah, não ficou bom não. Não sei escrever poemas.
Prefiro escrever em prosa, mas agora já foi ;)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Escrever...

"... salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador." Clarice Lispector
Adoro escrever. E quando não tenho o que dizer, é melhor ainda. Porque escrever sem compromisso, sem a necessidade de se fazer entender, fica mais bonito, mais livre. Basta sair por aí, voando. E quanto mais alto, melhor. Quando se escreve, não há o risco de cair. Pode-se fazer o que quiser, como quiser, quando quiser. Por exemplo, se eu quero colocar um ponto-e-vírgula aqui, eu coloco, assim; E ninguém vai reclamar. Não tem nada que seja mais livre.
Se eu pudesse desenhar o ato de escrever aleatório, seria mais ou menos assim: uma cabeça, no centro, depois um braço, de onde saíria uma mão, em forma de pinça, pinçando um contorno azul e disforme: o pensamento. É, seria assim. E poderiam ser vários pensamentos, um de cada cor. É, bem colorido, porque a vida já é muito cinza, e não há necessidade de ser ainda mais.Minha arte é escrever. E é como pintar. Só que eu uso o lápis como pincel, e os pensamentos como tinta, e qualquer coisa como tela. E você é o visitante da minha mostra. O bom é que, como escrevo do jeito que eu quero, você pode entender do jeito que quiser. E não está errado (aliás, o que é errado?).
Escrevo para não calar-me. Não no sentido da fala em si, mas de uma coisa mais subjetiva. Não gosto do silêncio da alma. Esse me dói. Porque é necessário arder, ainda que sem escândalos, ainda que lá dentro, no fundo de nossos pensamentos. É por isso que escrevo. Porque me recuso a estar apático diante da vida, diante das coisas. Recuso-me a observar sem olhos e a viver sem vida. É por isso.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Tempo?



"Tempo amigo, seja legal
Conto contigo pela madrugada
Só me derrube no final"


Já reparou que o tempo tem se esgotado cada vez mais depressa?
Será que temos corrido demais com as coisas, não percebendo que, quanto mais corremos, mais rápido passa o tempo; ou terá ele - o tempo - resolvido passar mais rápido por nós, por puro capricho?
Fico com a primeira opção. Todo mundo faz tudo correndo agora... Foi-se a época em que sentávamos nas calçadas às tardes quentes no horário de verão e ficávamos a contemplar o sol a se esconder atrás das casas, na companhia de vizinhos e amigos...
Mas é culpa de quem (se é que há alguém a se culpar)? Ninguém, eu acho. O que acontece é que foi estabelecido - sei lá por quem (e talvez aí esteja o culpado) - que deve-se dormir 8 horas por dia - isso é indispensável -, trabalhar 8 horas por dia - isso é ainda mais indispensável - e aproveitar as outras 8 horas para fazer coisas que nos agradam (afinal, de que serve a vida se não nos der prazer?).
Se bem que essas oito horas "restantes" não são suficientes para tudo. Afinal, há uma infinidade de coisas a se fazer ainda: você deve ler bons livros - para não terminar caduco; deve sorrir para o vizinho chato, ainda que com o seu sorriso mais amarelo, porque o que vale mesmo é ser simpático e receptivo; tem que dar a ração do cachorro, fazer comida, mandar as crianças pro banho, assistir à novela - ou futebol (isso é sagrado hein!), ficar com inveja do corpo da protagonista, desejar um marido mais ativo do que aquele que está deitado no seu sofá ou uma mulher mais silenciosa que a que está na cozinha. Ah, você também não pode esquecer da data de aniversário daquele melhor amigo que não vê há quase dois anos, de assistir àquele filme que está na estante há pelo menos três dias (qual é o título mesmo?) e nem de ouvir aquele cd da melhor banda do ano que você ganhou de presente semana passada. Aí então, você poderá, com toda a justiça do mundo, deitar sua cabeça no travesseiro e, enfim, descansar.

;D

Alegria


Um pouco de Clarice, só pra começar...

"Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou - apesar de tudo, oh, apesar de tudo -, estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencido: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. Viver é isto: a alegria do it. E conformar-me não como vencido mas como allegro com brio."

Só porque ela me toca a alma como ninguém...