domingo, 20 de julho de 2008

Em tributo a "V de Vingança"

"Oferece a outra face, mas não esquece o que lhe fazem
Nos bares, na lama, nos lares, na cama"
Vingança. O prato que se come frio. O pecado que exige a virtude da paciência. Dizem que vingar-se não adianta, não é bom, que não e não e não. Mas das duas, uma: ou planeja-se uma vingança (e não há nada melhor do que maquinar situações que se aproximem daquilo que se sentiu na pele); ou então o destino - palavra estranha em seu significado abstrato e incerto - encarrega-se de tudo. O que prefiro? Que ela seja feita, por qualquer dos meios, mas que seja feita. Como justiça, por que não? Afinal, a lei do "olho por olho, dente por dente" é antiga, mas é válida. E se a violência pode ser usada para o bem - como em "V de Vingança" -, vingar-se pode ser algo frio demais, desgastante demais, mas e tudo que já se sofreu graças a atitudes alheias? Não conta? Abstrai-se? O que fazer com toda a raiva contida em detrimento de sermos pessoas benevolentes e caridosas? Joga-se fora? Não. Há que se canalizar todo o remorso para algo que valha a pena. Talvez não "valer a pena" no sentido de "ah tá, se eu fizer isso com você como você fez comigo, será anulada toda a dor e sofrimento pelo qual você me fez passar", mas no sentido de retribuir a ação que se sofreu. Não é tudo assim mesmo? "A toda ação corresponde uma reação, de igual força, direção, e sentido oposto". Então é natural. É necessária a vingança, para que haja o equilíbrio - ainda que isso revele que não somos tão bons e que o mundo não é tão belo assim. Afinal, se te fazem cócegas, você não ri? Se te deixam triste, você não chora? Se provocam a sua ira, você não vai se vingar?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Sala do Espelho II

Leia Sala do Espelho I

Naquela sala ele podia ser mais. Podia ser o que lá fora não era permitido. Podia sentir o que não podia sentir se não estivesse ali, sob aquela luz, influenciado por aqueles sons, concentrado naqueles movimentos, de frente para aquele espelho acusador e autêntico que não mostrava nada além do que se era em essência. Naquela sala era proibido proibir. Os pés descalços em sintonia com o chão, com a terra, com a Terra. Desequilíbrio para equilibrar. Dor para não permanecer quadrado, profundidade para não morrer afogado nos dogmas de fora daquela sala. Eram dois mundos. O dos reis e o dos bobos da corte, que de bobos nada tinham, e faziam por passatempo rir dos seus reis, dos donos da verdade, dos grandes senhores. Os senhores da arrogância, do "é tudo bando de bixa colorida fazendo isso". Desfilar armas e tanques de guerra é muito mais digno. Lógico. De arte ninguém precisa - os reis pensam. Do que precisam é a ostentação de sua autoridade fracassada e inútil, obrigada através de imposições ordenadas por aqueles que pensam não termos saído do regime ditatorial e que acham aque, se enfiando em um uniforme verde representam o Brasil, sua força, sua raça, sua beleza. Que fiquem pensando. Os bobos da corte riem na sala do espelho.

sábado, 5 de julho de 2008

Molhe-se

E de repente veio a pergunta: quantos dias sem tomar água? Quanto tempo sem perceber o líquido correndo por seus dentes, umidecendo seus lábios, correndo solta e descendo pelo caminho de sempre? E então percebeu que aprendia com a água, sempre avante pelo caminho incerto, mas sempre avante. E aprendeu com a água, que jamais se detem ante os obstáculos. Apenas os contorna tão docemente.
E há quanto tempo não fazia isso? A quanto tempo parara no tempo, observando sem compreender aqueles obstáculos todos e morrendo de medo de prosseguir? Não. Precisava ir em frente, contornar os desafios todos pelo caminho também incerto que havia diante de si.
Para onde iria era uma incógnita, mas a partir daquele gole, se dispusera a saber. Porque a água está por todos os lados, e onde a vista alcança, lá está ela: salgada, doce, petrificada, mas está. Cerca tudo que alcança, cerca tudo. E não se desfaz sem ter um porquê. Não vira vapor à toa. Evapora para subir e cair docemente por ali, ou furiosamente para arrastar uma casa do seu lugar. Mas não se abstem, jamais.
Então decidira-se por fazer como água calma que corre pelas cachoeiras, banhando as pedras frias e escorregadias. A água não tem medo de cair. E então também não teria. Ela está em todos os cantos, encantos, escondida, ou sob o sol, enfiada na terra fazendo brotar vida. Então decidira-se por também fazer brotar vida nas adversidades, úmidas ou não. Estaria onde estivesse, e contaminaria o que tocasse com a sua leveza molhada. Sem insistir, como a água discreta que quando vê, já molhou.
E seria belo viver como água, seria bonito e de bom gosto espalhar-se por aí, entre ruas, descendo escadas, encachoeirando-se por debaixo dos pés que corriam ou pulavam para esquivar-se (há que se lembrar que era desnecessário e inútil evitá-la, porque no momento do banho, de estar limpo, ela estaria lá, não?).
Então molhe-se, deixe-se levar pelas gotas frias do orvalho da manhã, ou pela chuva fina que cai para deixar as tardes elegantes, ou pela chuva pesada que nos acalanta para adormecermos ao cheirinho de terra molhada que ela traz consigo. Deixe-se invadir pelo líquido que nada cheira e nada deixa ver de si, mas que está sempre lá, como a luz do sol, que amanhece belo e luminoso para esquentar o chão imóvel, mas cheio do que ela tem de melhor: nunca parar e, docemente, seguir sempre em frente.

terça-feira, 1 de julho de 2008

[Pensando em um título]

Ela queria só uma presença. Qualquer que fosse. De uma música, de um animal, de um homem, uma mulher, um ET. Queria saber que não estava sozinha, mas sentia-se só e por mais que tentasse ver nessa solidão algo de positivo, não conseguia. Não enxergava o lado bom em sentir-se só. Talvez porque não houvesse o outro lado. Talvez porque fora incapaz de conseguir manter alguém por perto. Mas não pensava que pudesse ter errado nas atitudes que tomou para com os que se aproximavam. Fizera tudo certo, visitava os amigos doentes, sorria para quem vinha, oferecia café - ou prefere água? gelada? - às visitas, que não eram tantas, mas davam-lhe prazer. Agora, nada havia, senão um café frio na xícara, um maço de cigarros ao lado das pernas cruzadas no chão, um isqueiro vermelho-paixão do outro lado, e a fumaça cinza como aquela manhã, subindo errante pelos tijolos marrons amarelados pelo tempo e perdendo-se por onde sua vista cansada não se atrevia a tentar chegar. Pensava que era uma fase, e que, como toda fase, passaria. E esperava, porque é isso que resta a quem já não sabe mais o que fazer: esperança. Esperou por dias a fio a tarde quente em que ouviria o barulho da campainha e sairia correndo para atender o visitante sedento de companhia, assim como ela. Esperou, até que ele não aparecesse. E cansou-se de esperar - porque a esperança é a última que morre, mas morre. E decidiu então que viveria consigo mesmo. Que chega de esperar o príncipe encantado até porque ele não existe e também porque os casais hoje em dia são todos infelizes então eu não vou me casar e não vou dividir minha vida com ninguém e serei feliz a meu modo sem ter que dar satisfações a ninguém e quem é que precisa dessas coisas né? Deitou-se, a cama macia que fora testemunha de tantas lágrimas e cabelos desbotados despenteados arrancados em momentos de fúria inexplicável. Adormeceu tranqüila e não ouviu o barulho tímido do toque de mãos fortes e macias na porta da frente. Ele chegara. A razão de seu viver. Aquele por quem esperara durante incontáveis manhãs de céu claro, infinitas tardes de tédio mórbido e noites que se estendiam longamente no canto das corujas. Ele estava ali, perto, convidando-a a convidá-lo a entrar. Mas ela não ouviu. Não ouviu porque não podia. Porque por mais que levantar-se fosse seu grande e único desejo, jamais o faria novamente. Não pôde sequer abrir os olhos para tentar ouvir melhor. Pálpebras pesadas ocultavam o azul de seus olhos há tempos cansados de se salgarem. Não moveria mais um músculo sequer. Ele chegara tarde demais.