domingo, 23 de dezembro de 2007

Ser livre é coisa muito séria

"Quando não se têm mais nada
Não se perde nada
Escudo ou espada
Pode ser o que se for
Livre do temor..."

Era ele. Nem alto, nem baixo, nem gordo, nem magro, nem careca, nem cabeludo. Era aquele meio termo de homem e garoto, de ancião e meia-idade. E só ia. Sabia sobre si apenas isso: ia. Pra onde não sabia. Pra quê não sabia. Nada ali importava, desde que fosse. Continuava indo e era tudo que queria. Ir, sem parar nem para respirar. Não respirava. Ia sem pressa, mas não devagar. Ia pra onde os passos - por vezes errantes - o levassem. Ia solto, sem vontade de nada, sem necessidade de nada, sem perder nada.
E essa era a vida dele: nada. E contentava-se com isso. Era preciso ser alguma coisa, apenas pelo fato de existir? A existência obriga que se viva? Ele achava que não. E assim era. Existia, sem, contudo, viver. E adorava não ser chateado pelas obrigações de quem vive. Não cumprimentava vizinhos chatos (nem legais), não lia, não escrevia, não falava. Era um corpo animado de movimentos. E só. Perambulava sem objetivos, sem certezas e nem ilusões. Como se fosse um papel em branco sem a menor vontade de escrita. Como se fosse uma tela sem vontade de tinta ou uma sede sem vontade de líquido.
Ele queria sumir. Ir embora de uma vez por todas. Despir-se e despedir-se de tudo que já - há muito - não era seu. Não era seu por escolha própria. Escolheu não depender de nada e ninguém, de situação nenhuma. Decidiu não saber o que é o amor, nem o que é o ódio. Preferiu privar-se desses sentimentos em troca de nada. Trocou por nada as amizades que poderiam ser eternas, trocou as raízes profundas de seus relacionamentos por preferir não regar a árvore da vida (se é que em algum momento houve uma). E quando decidiu sumir, não passou vontade. Foi-se com tudo o que tinha - tudo o que? Foi-se livre, sem depender de nada, como fizera durante toda a sua existência (seria um engano dizer "durante toda a sua vida", uma vez que abdicou de viver). Foi-se com toda a sua liberdade. Ele podia virar as costas e sair por aí, como muitos - que tem tudo - não podem. Ele tinha a liberdade, e lhe bastava. Ele tinha tudo que todos procuramos. E teve também coragem para poder ser livre.

2 comentários:

Yuri Cunha disse...

Influências da Legião jogadas em todo o blog, legal. Onde ficou sabendo do meu, Anderson? E infelizmente não registrei nenhum ainda, sei lá, nada soa definitivo.

Yuri Cunha disse...

Ah, descobri quem você é hahaha... :D